Por Letícia George, CRP: 06/136198
A pele é o maior órgão do corpo humano e exerce diversas funções, como a de proteção do organismo contra o ambiente externo e também a de proteção simbólica, já que é o primeiro contato da pessoa com o seu ambiente. Por conta disso, a pele torna-se um órgão importante de manifestação de conflitos e emoções. Durante o ano que trabalhei no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, atendi pacientes do ambulatório e enfermaria de dermatologia e tive a oportunidade de conhecer de perto os efeitos das doenças de pele no cotidiano desses pacientes.
A pele possui ligações íntimas com o sistema nervoso central e por isso é sensível às emoções, sendo, através dela, demonstrados processos e reações psíquicas em geral, como por exemplo: suor em excesso, que pode indicar um estado de ansiedade ou o quando ficamos com o rosto vermelho (rubor na face), que pode indicar sinais de vergonha ou medo em demonstrar os sentimentos.
Uma outra função que a pele ganhou durante os anos é a de suporte para manifestações simbólicas e culturais, como as tatuagens, os piercings, a escarificação (técnica de modificação do corpo que consiste em produzir cicatrizes por meio de objetos cortantes), a pintura ritual em selvagens, uso de maquiagens, todas formas de expressão dos sentimentos e troca de signos que constituem o campo de funcionamento psíquico, mediado pela linguagem.
Por isso, as doenças de pele acabam gerando impacto emocional no paciente, podendo ocasionar sintomas de ansiedade, sentimentos de retraimento social, baixa autoestima e tristeza. Além disso, podem gerar impacto também nas relações sociais e nas atividades cotidianas, devido aos estigmas gerados pela aparência das lesões no corpo.
São muitas as pesquisas que demonstram que, além dessas doenças poderem causar sofrimento psíquico, alterações de humor, como ansiedade e depressão, e estresse em excesso, problemas familiares e desajustes no ciclo vital também podem originar ou piorarem os sintomas dermatológicos de muitas doenças de pelem contribuindo para o aparecimento de lesões.
O paciente portador de uma doença de pele lida com os sintomas diários dela, por ser uma doença crônica (que não apresenta cura, mas é possível de ser controlada). E, em muitos casos, esses sintomas são muito aparentes e essas pessoas se veem em na situação de ter que lidar com o olhar de si mesmas para o que fica exposto e também com o olhar do outro que não entende o que vê.
Pesquisas demonstram que existe uma diferença significativa na qualidade de vida em portadores de doenças que provocam lesões no rosto e/ou mãos, em comparação a pacientes com lesões generalizadas pelo corpo. Além disso, a maioria dos pacientes apresenta estresse psicológico e estresse físico altos, o que demonstra o acometimento do sujeito como um todo.
Portanto, podemos observar que quando uma pessoa apresenta uma doença de pele, essa manifestação orgânica é também psíquica. Muitos pacientes apresentam sintomas de ansiedade (preocupação intensa, excessiva e persistente, medo de situações do dia-a-dia, inquietação, irritabilidade); depressão (sentimentos de tristeza persistentes, perda de interesse em atividades que traziam prazer, descontentamento geral, apatia) e estresse (instabilidade de humor, apreensão, insegurança, dores no corpo) que podem gerar prejuízos em sua qualidade de vida e na qualidade de seus relacionamentos.
Existem escalas dentro da área da saúde que podem ajudar os pacientes e os profissionais da saúde a identificarem quando as alterações de humor que podem estar relacionadas à doença de pele estão prejudicando a sua qualidade de vida.
Uma delas é o Índice de Qualidade de Vida em Dermatologia (DLQUI), que é composto por 10 itens, relacionados à qualidade de vida específica para problemas de pele, divididos em 6 domínios: atividades de escola/trabalho; atividades de lazer; relações interpessoais; tratamento e sintomas/sentimentos. O paciente responde as perguntas em uma escala do tipo linkert que varia de 0 (nada) até 3 (realmente muito), indicando o prejuízo que a doença provocou em seu cotidiano durante a última semana. Não tem um ponto de corte, mas quanto maior o resultado, mais a doença está impactando sua qualidade de vida.
Outra escala é a Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (HAD), que é composta por 14 questões de múltipla escolha, divididas em 7 itens que medem ansiedade e 7 que medem depressão, baseados no que foi experienciado na última semana. As respostas também apresentam a variação de 0 a 3 pontos, que são somados ao final do teste e apresenta ponto de corte 9 para cada estado de humor.
Ambas são escalas de autopreenchimento que auxiliam no rastreio de possíveis transtornos de humor que o paciente possa estar desenvolvendo. Não definem se a pessoa está com ansiedade ou depressão, mas são capazes de identificar a presença de sintomas ansiosos e depressivos no dia-a-dia da pessoa.
Por isso, caso ao responder as perguntas, perceber a presença dos sintomas, procure uma ajuda especializada. Tratamentos como o de psicoterapia podem ser muito eficazes para a diminuição dos sintomas e o aprendizado de como viver com uma doença de pele.
Cada paciente tem uma representação única de sua doença, sobre a identidade, causa, duração e até mesmo cura, mas, em geral, relatam sentimento de inadequação e estigma relacionados às exigências atuais de estética, gerando sentimentos de discriminação que provocam insatisfação consigo mesmo, podendo a adaptação à doença de pele ser um causador de estresse.